Matriz Buenos Aires

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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

A Morte Cura!



                Hoje foi a missa de sétimo dia do pai de uma família de nossa Comunidade a quem estimo e amo muito. Após a emocionante e ungida celebração, encontrei com uma irmã, também de nossa Comunidade, que recentemente passou por situação semelhante ao perder o próprio esposo. Foi  um momento de escutar e sentir palavras de saudade, de dor e de amor, histórias reais de pessoas que resolveram viver neste mundo sem fugas, mas enfrentando suas tristezas e saudades. Não há vergonha em ser humano e sentir as dores deste mundo, quem é humano chora, sofre, luta... Horas vence, outras horas é derrotado, mas está vivo. Está na batalha.
                Amado que me ler agora, primeira coisa que tenho a lhe dizer hoje é que não se envergonhe de ser humano e sentir aquilo que uma pessoa naturalmente deve sentir. Lágrimas? Deixe-as vir, isto é natural. Emoção, alegria, empolgação etc. são sentimentos naturais ao ser humano e não devemos nos envergonhar disto. Por muito tempo diziam que homem não chora, como se ser homem é ser uma porta! Porta não chora porque não é gente, pois gente chora e quanto mais sensível, mais chora. Quero começar dizendo que o ser normal é ser humano e nada a mais ou a menos. Noutro momento falarei um pouco mais sobre isto, mas de antemão, preciso convidá-lo a não se envergonhar de quem você é, daquilo que você sente e daquilo que você faz com um coração sincero e puro.  Não se envergonhe de você mesmo, pois muito provavelmente você é o primeiro a fazer isto consigo mesmo.
                Neste turbilhão de sentimentos e emoções que a morte nos traz, tendemos naturalmente a perder a centralidade, ao menos em alguns momentos. Mas o que tenho visto é que nem sempre isto ocorre de forma saudável, pois a saudade vaza a alma e leva as bases de nossa existência, sendo, por isto mesmo, uma das mais importantes oportunidades de fincar nossa existência definitivamente em Deus. Perceba que a dor não tem como ser evitada e ela pode destruir ou construir, lembro-me de certa vez que perdi um amigo muito jovem e que, no velório daquele bom rapaz, o seu pai gritava e urrava  e chegava a fazer escândalos xingando Deus, foi uma cena lamentável, mas entenda, não foi lamentável pelos atos que aquele pai tinha ou as palavras que falava, não, jamais. Foi lamentável por aquilo não ser dito ou feitos na hora e no lugar certo. Eu tenho toda certeza do mundo que nosso Deus estava ansioso por escutar aquele homem com tudo que ele tinha para Lhe dizer, sendo justo ou não. É muito difícil repreender uma pessoa em situação de desespero e angústia, muito mais o Coração de nosso Senhor estava pronto para ter aquele homem com todos os espinhos que ele pudesse produzir, pois Deus é sempre assim, o melhor dos colhedores de espinhos nas rosas que são nossas vidas. Aquilo que destoa não são os espinhos, mas os espinhos nas mãos erradas.
                Quando a dor vier, não há problemas em dizer que dói, seja lá como você faça isto, mas faça no Coração do Amor, no peito chagado de Jesus. Em qualquer outro lugar a dor estará sendo inútil e sem sentido, pois não há absolutamente nada nesta vida que se perca, tudo, e eu digo tudo, tudo pode se tornar alavanca para o alto, assim como pode se tornar pedra que afunda nossa vida. Toda dor pode matar ou pode curar, pode destruir ou construir, enfraquecer ou fortalecer. Mas para que tiremos o melhor das dores elas precisam estar plantadas completamente em Deus, não há outro jeito. Dizia a pouco para aquela irmã, tudo isto que ela está sentindo e passando é preciso ser dito a Ele do jeito que ela quiser, deposite tudo aos pés de sua Cruz e olhe naquela imagem como se faz da dor vitória. Digo para você agora, deposite suas dores no lugar certo, não adianta sair por aí reclamando, esbravejando, revoltado com aquilo que você nem sabe o que é. Para de se enganar, isto não resolve. Como também não resolve o complexo da criança carente que fica com pena de si mesma, compreenda que agora esta dor faz parte de sua vida e que senti-la por vezes será comum, contudo você precisa saber enxerga-la com todo bem que ela tem para você e não como uma ancora que lhe arrasta para o fundo, sem sentido ou razão. Tenho visto homens e mulheres que estão se matando, enquanto os seus falecidos estão bem vivos diante Deus. Os seus foram para a eternidade, enquanto que eles desistiram da vida.
                É muito pertinente dizer que nenhuma pessoa falecida desejaria que sua vida fosse lembrada pela capacidade de retirar a vida dos outros. Toda pessoa que amamos realmente, deseja que este amor seja vivido mesmo quando os ares já não preencherem seus pulmões, mas que transformemos nossas vidas com aquele amor testemunhado agora através de nossa história. Quando dizemos que sentimos falta de alguém que viveu sua páscoa para a eternidade, quando sentimos uma verdadeira saudade de quem não está mais conosco, na verdade, estamos sentindo falta de todo bem que aquela pessoa representava em nossa vida. Parece que havia uma luz que estava bem acesa e clara e que agora não está mais lá. Diante desta ausência, não devemos passar a vida lamentando pela falta daquela luz, pela falta daquela vida agraciada para nós, pois assim estamos estagnando o dom que recebemos por aquela vida e não levamos esta perspectiva de vida, esta luz, este bem adiante, mas desfrutamos de forma egocêntrica e não partilhamos para que se perpetuasse nas vidas daqueles que estão conosco. A verdade é que marcamos a vida de todos aqueles que passam por nós com amor ou com desamor, com bem ou com sua omissão, com luz ou com trevas, e se recebemos tanto bem daqueles que nos fazem falta, então só podemos assumir em nosso ser aquele bem para entregarmos a outros que necessitam. Desta forma perpetuamos a existência daquelas pessoas preciosas neste mundo tão carente de luz. Ao mesmo tempo, aquelas pessoas, que agora estão diante de Deus, não esperam de nós uma vida menos digna porque nestes tempos já não estão conosco, se cremos que nossos amados estão em sua merecida eternidade, então nos cabe também em nossa história construir degraus que acessem o Céu e proporcionem suporte para vencer este mundo. É bastante claro que, quando falo sobre todas estas graças e dons e luz e bem, tudo só procede em Maria de Jesus. Não há luz sem sua Luz, não a bem sem seu Ser todo Bom e não há graça sem Ele que é todo Graça. Em Maria porque foi assim que Ele escolheu ser todo humano e todo Deus. Mas vamos adiante.
Nossa fé Católica sinaliza para nós a páscoa, ou seja, a passagem deste mundo de dores para a eternidade plena. Quando nosso corpo perde as suas funções fisiológicas e chega a sua falência, nosso ser, vivendo seu julgamento particular e estando digno para a eternidade, perde todas as suas mazelas e misérias, todas as suas doenças e deformações, todo mal se vai, ficando a mais pura pessoa que Deus criou. Voltamos à condição de santidade onde fomos criados. A morte, que aos nossos olhos levou aquele que amamos, de fato, curou plenamente e restaurou sua vida. A morte cura, e talvez seja por isto que muitos homens e mulheres do altar que chamamos de santos se referiam a morte como irmã, amiga ou companheira. Pois é, a morte cura!
                A morte curar é fundamento básico de nossa fé. Sim, pois a morte significa o justo fato que nos tira deste mundo de mazelas e nos introduz na plenitude perfeita, onde não há mais qualquer penúria ou fraqueza. Tudo em nós se ordena pelo simples fato da morte. Isto obviamente ocorre pelo processo contínuo de morte que a vida nos traz, onde a cada dia em que me torno mais velho, mas caminho para minha páscoa, por conseguinte, também é necessário que algo morra em mim hoje. Todos os dias, é necessário que eu sepulte parte de mim que não me fazia viver com dignidade a vida que recebi, coisas como o egoísmo, a inveja, a maledicência, a estupidez e tantas outras coisas que você sabe muito melhor que eu, e que fazem parte de você e precisam ocupar túmulos no terreno de nossa história, antes que nosso corpo ocupe o túmulo que um dia lhe caberá.  Dia a dia, a morte vai nos dignificando e nos preparando com pequenas curas para a cura eterna. Portanto, acontece que no dia em que a dor ocupa nosso pobre coração pela ausência de uma pessoa amada, esta mesma pessoa pode estar vivendo a sua cura eterna, assim, eu pergunto, e você? Está vivendo que cura neste momento?
                Lamento, mas não tenho palavras que sejam capazes de descrever a infinita satisfação e felicidade que é adentrar o paraíso. Não há neste mundo como dimensionar aquele momento onde somos todos em Deus, e, se permitirmos, poderemos, também nós que ainda estamos aqui na luta, receber em nossas vidas a cura que a morte nos traz. Plante sua dor no Coração de Deus. Flores não precisam ser as mais belas, mas precisam ser aquelas que consigo colher, então colha o que você tem, deixe que os espinhos doam, mas os deposite onde a dor gera vida, onde a morte salva. Seja flor no jardim de Deus.

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